A história do Pãozinho Francês
A gastronomia é um enorme e fascinante universo. Seu exercício vai desde o conhecimento e uso de ingredientes, equipamentos e preparações diversificadas até à gestão de restaurante, confeitaria e panificação, passando, de modo transversal, por moda, costumes e, também, pela História.
Pois foi na vertente da História que me chamou a atenção a receita do nosso pão francês. Ignoro se há livros a respeito, mas pesquisando na internet encontrei uma unanimidade:
A receita desse pão, branquinho e fofo, que cabe na palma da mão, surgiu no Brasil no começo do século XX e antes de 1914, data de início da Primeira Guerra Mundial.
Uma outra unanimidade:
O nosso pão francês não tem muito a ver com os pães da França. Sua receita foi criada na tentativa de reproduzir um pão popular na cidade de Paris da época, curto, cilíndrico, com miolo branco e casca dourada, mas acabou por tornar-se bem diferente dele por conter um pouco de açúcar e gordura na massa.
Resta Saber:
Em que circunstâncias esta receita foi criada?
Como e porque os padeiros brasileiros foram solicitados a imitar o pão da França na década de 1910?
Como Era O Brasil Na Época ?
Na década de 1900, início do século XX, o Brasil vivia a época da Primeira República, iniciada na Proclamação, em 1889. A população se adaptava a intensas transformações políticas e econômicas, marcadas por diversas revoltas internas e, sobretudo, por um processo de abertura para o comércio externo.
Grandes extensões de terra com apenas algumas áreas produtivas, os latifúndios, estavam nas mãos dos chamados coronéis, nome de uma patente da Guarda Nacional que passou a ser usado para designar os fazendeiros mais ricos e poderosos de uma região.
A população era composta, de um modo geral, por uma elite de forte poder econômico, constituída por coronéis e comerciantes, por uma classe média urbana, formada por profissionais liberais, intelectuais e políticos, e pelos trabalhadores rurais.
Até então, o brasileiro consumia, em grandes quantidades, a farinha de mandioca e o biju, apesar de já conhecer o pão de trigo desde a chegada dos colonizadores portugueses. No início do século XX, a atividade de panificação se expandiu, motivada pela vinda dos italianos para o Brasil, e o pão tornou-se essencial na mesa do brasileiro. Mas era completamente diferente do atual pão francês; era escuro, na casca e no miolo.
Com a abertura econômica e financeira para o comércio externo, o Brasil da Primeira República tornava-se um mercado altamente consumidor dos produtos de países estrangeiros que precisavam desovar seu excesso de produção industrial.
Juntamente com os produtos estrangeiros, o Brasil passou a importar, também, ideias e costumes, em especial tudo o que estava em voga no movimento cultural da Belle Époque.
A Cultura Da Belle Époque
Na Europa do início da década de 1910, ainda se vivia o clima de desenvolvimento industrial, prosperidade econômica e otimismo da Belle Époque, iniciado no final do século anterior. Perdurou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, quando as notáveis invenções desse período passaram a ser utilizadas como tecnologia de armamento.
A Belle Époque foi uma época marcada por grandes inovações tecnológicas, como o telefone, o telégrafo sem fio, o cinema, a bicicleta, o automóvel e o avião, que inspiraram novas percepções da realidade e profundas transformações culturais. Tornaram a vida das pessoas mais fácil em todos os níveis sociais e geraram novos modos de viver o cotidiano.
O cenário cultural efervesceu, com a proliferação de teatros, cinemas e exposições.
A moda, para as mulheres, cobria todas as partes do corpo com babados, plissados, bordados, luvas e chapéus. Os espartilhos, que antes definiam a silhueta em “ideais 40 cm”, nessa época foram substituídos por suaves drapeados. Para o homem, a moda exigia um estilo mais sóbrio. Mantinha o uso de chapéu, polainas e casaca, mas o uso de paletó começou a aparecer com força crescente, e as calças ficaram cada vez mais estreitas e curtas. Barbear o rosto tornou-se uma tendência, assim como o uso do chapéu de feltro de copa gebada e do chapéu-panamá.
Cafés e confeitarias foram eleitos ponto de encontro de intelectuais e artistas, favorecendo a difusão de novos modos de pensar. O desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte disseminou a arte e a cultura da Belle Époque, aproximando as principais cidades do planeta. Escritores, como Baudelaire, Rimbaud, Verlaine, Zola, Anatole France e Balzac, passaram a ser lidos avidamente. Pintores, como Picasso, Modigliani e Matisse revolucionaram as artes no mundo.
As pessoas de maior poder econômico ostentavam elegância e luxo em grandes bailes, festas, jantares. E a gastronomia passou a fazer parte de suas diversões noturnas.
Nos restaurantes, jantava-se entre paredes de mogno e cobre, recortadas por vitrais e sob tetos cheios de dourados, afrescos e lustres, uma decoração para deleite do olhar.
O estilo culinário passou a ser definido com o rótulo “Comer com os olhos”. Os grandes chefes, cujos ancestrais haviam cozinhado para os palácios da nobreza, criaram o sistema de servir à la carte. Então, passaram a oferecer opções de pratos predefinidos pela casa e em cardápios ricamente ilustrados, que demonstravam a expertise do chefe e o glamour do restaurante.
Paris transformou-se na grande estrela da Belle Époque e a capital da culinária.
Um pãozinho que lá se fabricava, curto, cilíndrico, com miolo branco e casca dourada, crocante, tornou-se um mito!
Como Surgiu A Receita Do Pão Francês Do Brasil
Para a elite brasileira da década de 1910, ir a Paris ao menos uma vez por ano era quase uma obrigação, pois garantia seu vínculo com a atualidade do mundo.
A República do Brasil, recém-instalada, pretendia inaugurar uma nova era no país e, por conta disso, tentou minimizar tudo o que lembrava o antigo Império e o passado de colonização portuguesa, favorecendo a difusão de usos e costumes de Paris, como as vestimentas à moda francesa e a prática de se consumir bebida em mesas dispostas pela calçada.
No Rio de Janeiro, então capital brasileira, cresceu o número de cafés e confeitarias que reproduziam o costume francês de servir com estilo e elegância. E as padarias, que ainda produziam um pão de casca e miolo escuros, começaram a ser solicitadas a reproduzir o pãozinho de casca dourada e miolo branco dos franceses.
Então, os padeiros, pela descrição dos viajantes, criaram uma receita que passaram a chamar de “pão francês”.
Na verdade, a receita que os padeiros criaram atendeu, sim, às exigências de casca dourada e miolo branco, mas superou as características do pãozinho original, por ser mais macio e saboroso, com o acréscimo de um pouco de açúcar e gordura na massa.
Hoje em dia, dizem que o nosso pão francês é um dos melhores do mundo e que alguns estrangeiros nos procuram para copiar a receita do nosso pão “tipo francês”, que eles chamam de “pão brasileiro”.
Com o tempo, o novo pão francês foi ganhando apelidos diferentes em algumas cidades do Brasil, como pãozinho (São Paulo), pão massa grossa (Maranhão), cacetinho (Rio Grande do Sul e Bahia), pão careca (Pará), média (Baixada Santista), filão, pão jacó (Sergipe), pão aguado (Paraíba), pão de sal ou pão carioquinha (Ceará).
O fato é que quentinho, saído do forno, o nosso pão francês tem uma aroma incomparável e é perfeito para receber uma camada de manteiga ou de queijo e o que mais a criatividade do brasileiro desejar. Isso sem contar as inúmeras preparações que se pode fazer com esse tipo de pão; de saborosas tortas salgadas na culinária do dia a dia às doces rabanadas que marcam presença em nossas mesas na época de Natal.
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